Pesquisadores do Centro de Estudos sobre o Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL) da USP e de outras instituições nacionais e internacionais concluíram o primeiro banco de dados genômico de idosos da América Latina. Os resultados do estudo, que começou em 2010, foram publicados na plataforma bioRxiv e no começo desse mês finalmente divulgados na revista Nature Communications.

Os pesquisadores sequenciaram o genoma de 1.171 brasileiros não aparentados, com média de idade de 72 anos, e identificaram 77 milhões de mutações genéticas, das quais 2 milhões delas estavam ausentes em bancos de dados internacionais. O objetivo do trabalho é formar o primeiro banco genômico dos idosos brasileiros – o maior da América Latina – e tentar compreender fatores genéticos ligados à longevidade saudável. Os primeiros resultados podem alterar o atual diagnóstico de algumas doenças de origem genética.

Além disso, 2 mil elementos genéticos móveis (partes genômicas que conseguem se deslocar para outras partes do genoma humano) e mais de 140 alelos de genes de HLA (família gênica mais diversa, ligada ao aparecimento de doenças infecciosas e autoimunes) foram catalogados.

Os participantes são voluntários de um estudo longitudinal chamado SABE (Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento). O projeto existe desde 2000 e, no Brasil, é coordenado pela Faculdade de Saúde Pública. O objetivo é estudar as condições de vida e de saúde de moradores da cidade de São Paulo e de algumas cidades da América Latina e do Caribe.

Entender os fatores que contribuem para a boa saúde dos muito idosos é um tema ao qual os geneticistas vêm se dedicando há anos. Grandes populações de centenários na Sardenha, na Itália, e em algumas ilhas do Japão, são estudadas há décadas para se tentar entender o peso da genética e o de hábitos saudáveis na longevidade. Mas e numa metrópole como São Paulo, onde muita gente não tem uma vida saudável e é submetida a estresse?

Aplicações

A criação de um banco genômico brasileiro já era vista como uma necessidade pelos cientistas, pois a população do País, até então, não estava representada nos bancos de dados internacionais. O grupo focou em estudar idosos porque uma das metas era avaliar a incidência de doenças associadas ao envelhecimento, como mal de Parkinson, Alzheimer, hipertensão e câncer, por exemplo.

As análises de ancestralidade mostraram alta incidência de europeus, africanos, ameríndios e imigrantes do leste europeu. “Provavelmente essas 2 milhões de mutações contam a história desses grupos parentais da população brasileira que não estavam catalogados”, explica ao Jornal da USP Michel Naslavsky, professor do Instituto de Biociências (IB) da USP e primeiro autor do estudo.

Os dados gerados pela pesquisa podem facilitar o diagnóstico de doenças e ajudar, no futuro, um melhor desenvolvimento da medicina de precisão. “Agora, o médico pode encontrar informações novas nessa base de dados e fazer uma interpretação muito mais precisa”, afirma Naslavsky.

O sequenciamento do genoma completo tornou-se a ferramenta padrão-ouro para se estudar genômica populacional. Com ele é possível identificar mutações raras em genes conhecidos e melhorar a identificação de novos genes, por exemplo.

Quando buscam determinar o diagnóstico de uma doença genética, especialistas costumam tentar identificar no paciente o que chamam de “variantes genéticas de patogenicidade incerta” (VUS, na sigla em inglês), ou seja, trechos de DNA que não costumam ser vistos com frequência.

Se a variante aparece no genoma de idosos saudáveis, a tendência é concluir que ela não seria responsável pela doença. Entretanto, se não é achada entre os muito idosos, trata-se de um forte indício de que ela pode estar por trás de alguma doença letal, que impede parte da população de alcançar idades mais provectas. Ou, pelo menos, de que poderia se expressar de forma diferente de acordo com o perfil genético de cada indivíduo. 

O levantamento brasileiro encontrou algumas variantes classificadas nos bancos internacionais como patogênicas (mutações associadas a doenças) em idosos saudáveis – uma indicação de que talvez a interpretação precise ser revista.

*Com informação de Fabiana Mariz, do jornal da USP.

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